Memórias Verdes
ou testemunhos eco-sociais do Porto
ou testemunhos eco-sociais do Porto
Iniciamos neste blog, neste mês de Maio do ano da “crise” de 2013, uma
série de textos reportando vários locais e antigas “manchas verdes” do chamado
Grande Porto, tantos deles hoje desaparecidos, tragados por um conceito de “desenvolvimento”
e de “crescimento” que é o oposto ao que os conceitos libertários da ECOLOGIA
SOCIAL –de cujos princípios básicos nos reivindicamos- defendem.
Longe de qualquer espécie de revivalismo reacionário (o “dantes é que
era bom” ou o “oh tempo volta p´ra trás”…) pretende-se sim avivar a memória e
alertar os presentes – nomeadamente os jovens de hoje- sobre tudo aquilo que a
sede de lucros fáceis de alguns, a
demência “desenvolvimenteira” dita “planificadora” dos do alto dos poderes
centrais, regionais e locais do Estado e a cegueira e a falta de horizontes
sociais-ecológicos de muito mais gente, produziu de DESTRUIÇÃO e de DEGRADAÇÃO
DA VIDA também NESTA REGIÃO. E, nomeadamente, alertar que este atual caminho
que trilhamos (ou que os poderes do dinheiro e da política nos fazem trilhar),
não são irreversíveis e que há mais vida – a viver individualmente e a defender
coletivamente – para além, muito mais para
além, de congressos, simpósios, seminários, cátedras, encontros de “experts”, campanhas (hipócritas)
pelo “ambiente”, e de todas as formas como os senhores do Poder e do Dinheiro tentam
separar as QUESTÕES AMBIENTAIS da velha e permanente QUESTÃO SOCIAL (as
desigualdades, as dominações e explorações de uma minoria da sociedade humana
sobre a outra parte maioritária)…E muito para além também, da forma como os
mesmos tentam oferecer-nos o “ambiente-mercadoria”, a “natureza-mercadoria”,
como um produto acabado para venda e bons ganhos de alguns e não afinal, como
ELEMENTO ESSENCIAL – que NÃO PODE SER MERCADORIA ! - para o disfrute de toda a
Humanidade em harmonia com o resto do planeta e com os demais seres e componentes
necessários à VIDA de TODOS .
Ao longo destas mesmas crónicas-memoriais sobre esta região, baseados
em alguns testemunhos pessoais, iremos comparar o ONTEM e o HOJE , à distância
de 20, 30, 40, 50 anos , de algumas zonas de MATOSINHOS, GAIA, MAIA, SANTO-TIRSO, PAREDES,
RECAREI, GONDOMAR, VILA DO CONDE, entre outras . E logicamente não faremos
apenas “crónicas de destruição” mas também reportaremos aquilo que ainda se
encontra, aqui e além, mais preservado e que carece da nossa própria
mobilização para que assim continue –ou para que melhore ainda. Aliás é também
no sentido de avivar a ideia de que “nem tudo está perdido” que vos convidamos
a acompanhar-nos no nosso programa de passeios pedestres mensais “Caminhar com
a Gente” (ver noutro local deste Blog) que em alguns fins de semana nos levará
à descoberta de muitos dos locais e áreas aqui descritos.
Independentemente da possibilidade de editarmos estes testemunhos e de
acerca deles podermos vir a animar algumas palestras-vivas em algumas noites na
nossa sede no Porto, será sobretudo pelo contacto direto e vivo com esses
locais que a consciência e a vontade atuante poderão despertar em cada um/a de
nós. É também esse o nosso desafio.
J.R.P.
I - OS PINHAIS DA
BOA-NOVA
Eram autêntico pequeno paraíso
para muitas famílias e jovens, que vinham passar ali fins de semana e longos dias do Verão.
Havia quem viesse carregado de mochila às costas e tenda, do Porto, por Leça da Palmeira, pela estrada junto à praia
e perto do farol da Boa-Nova. Muitos vinham também ali pela Amorosa e Rua da
Almeiriga, junto à (ainda existente) Adega Amarela -que na altura durante a
semana servia almoços a muitas trabalhadoras e trabalhadores das várias antigas
fábricas de conservas.
Croquis (de memória) de como era o pinhal da Boa-Nova e o caminho para a praia antes da construção da Petrogal (com a tal rocha que se menciona no texto) |
Charca no Mindelo, semelhante às que existiam onde hoje está a Petrogal... |
A zona era um pouco semelhante
a muitas zonas desde Aveiro até ao Minho, com pinhais costeiros e dunas – um
tanto parecidas com parte da atual zona do Mindelo, a Sul de Vila do Conde. Mas
o facto de se localizar perto do Porto e de Matosinhos fazia dela zona
privilegiada de acampamentos e outros programas de aventura e ar livre de
grupos e associações juvenis, nomeadamente escoteiros e escutas. Por vezes também, na altura das férias da páscoa e do Verão, lá
apareciam aqueles grandes grupos de rapazes de camisa verde escura da antiga
organização obrigatória salazarista, a “Mocidade Portuguesa”, com a sua
estrutura e atividades para-militares e cânticos nacionalistas… Mas também
apareciam grupos de jovens que “por gozo” desfraldavam, na rocha junto ao
caminho, uma “bandeira pirata” e se entretinham de noite a pregar partidas a
elementos daqueles grupos (descrição do “Brasileiro”, antigo trabalhador de
armazém das conservas de Matosinhos).
Para as pessoas que moravam
naqueles locais das cercanias de Leça da Palmeira (Padrão, Perafita,
Freixieiro, Santa Cruz do Bispo…) o pinhal de costa e as dunas, com as praias
–então ainda não poluídas- da Boa-Nova, do Cabo do Mundo, de Pampelido…)
tornavam-se pontos acessíveis a todos, ideais para descontrair e descansar
depois de uma semana de trabalho árduo. Por um caminho que atravessava uma zona
densamente florestada e que ia desde o lugar do Padrão, perto dos armazéns de
madeira da antiga “Madeirinha”, nas traseiras do pequeno “Bairro da Venezuela”,
nos anos 60, ali perto da “Adega Amarela” (hoje Rua Óscar da Silva), até à
Junqueira/Lugar de Santo Isidro, em
Santa Cruz do Bispo, chegava-se rapidamente, de bicicleta, ao nosso pequeno
paraíso, perto da Boa-Nova. A estrada
que haveria de ligar o Freixieiro ao Porto, a “Via Rápida” (onde está hoje a
“Exponor”) ainda não estava aberta e aqueles caminhos através dos pinhais, aqui
e além com pequenas cabanas de alguns lavradores junto a alguns campos com
hortinhas, eram um deslumbramento e uma lufada de ar fresco, quer para quem
morava por aquelas paragens quer para quem queria deixar o já então algo
intenso ( e caótico) transito automóvel e respetiva poluição de cidades como o
Porto.
A partir, no entanto, aí de
1967-1968, o pequeno paraíso dos pinhais dunares da zona da Boa-Nova acabava:
começava-se então a construir no local a refinaria da então “Sacor” (hoje
Petrogal) e o cheiro intenso do petróleo substituía o perfume dos pinhais e da
maresia. Também os gazes incandescentes das altas chaminés daquelas instalações
industriais começavam a invadir as noites, muito antes da poluição luminosa dos
neons-laranjas ofuscarem as noites estreladas…
Na altura, em alguns locais das zonas vizinhas, alguns moradores vinham por
vezes para a rua alarmados com o clarão
da refinaria, ali a alguns quilómetros, julgando tratar-se de algum incêndio.
A propósito dessas grandes
tochas industriais, jovens de círculos
de oposição e resistência à ditadura cantavam então, meio em surdina: “Olha o
fogo da liberdade, espalhando luz em redor!... Não é luz da liberdade – são os
canos da Sacor!...”
Zona do Mindelo semelhante à da Boanova ...antes da Petrogal |
Hoje, deste outrora aprazível
local pouco mais resta que alguns –poucos- pinheiros raquíticos e toda a zona
foi invadida pela Petrogal. Anacronicamente,
muitas das zonas vizinhas estão hoje mais povoadas e urbanizadas… Aliás, nas
urbanizações existentes desde aí 2001 ou 2002 e que vão desde a praia de Leça
da Palmeira até ao farol da Boa-Nova, os promotores imobiliários tiveram o
cuidado de na sua propaganda alardearem as “ótimas vistas para o mar”- e mesmo
a existência do farol! – mas não, claro que não, o complexo poluente mesmo ao
lado, que é a refinaria da Petrogal… e que empesta toda a zona, especialmente
no Verão, quando o vento Norte é o dominante e invade o ar de toda aquela área
com o seu cheirinho a “progresso” e a “desenvolvimento”… Além do perigo latente
que constitui para os moradores viverem paredes meias com enormes depósitos
petrolíferos, como acontece na hoje existente Rua Belchior Robles e arruamentos
e urbanizações adjacentes (Pedras de Novais, Sardoal, Rua Adolfo Casais Monteiro,...
).
Mas sabemos todos quais os
valores ($) que movem gestores camarários e seus planificadores urbanísticos –
e os de Matosinhos não fugirão à regra… Restará a ideia de que um dia se
concretizem os vaticínios de uma música que alguns dos jovens da Terra Viva!
cantam nos seus acampamentos e caminhadas:
…”Por cada árvore derrubada
Por cada floresta destruída
Crescerão as silvas nas vossas
estradas
E nas fissuras do cimento
margaridas …
E as vossas barragens de
energia
Roubadas às correntes dos rios
Também se fundirão um dia
E treparão heras pelos seus
fios
Vede agora como se aproxima o
tempo
Pós-petróleo e pós-gasolina
Voltaremos à Natureza cem por cento
Enferrujará cada turbina
Pelas ruas se acumulará sucata
Pela cidade se espalharão as
sobras
Do que foi uma sociedade farta
Em desigualdades e vontades
mortas”
(…)
A.Liberto Vidal
Seria importante que mais malta daquele tempo (anos 60 - Pedro, João L., Ana, Maria, António, Mário e tantos e tantas outras e outros, complementassem estes dados com os seus comentários neste blog. E, não esquecer, neste blog está também em "Programas" uma série de passeios pedestres por muitas destas zonas e que serão ainda agendados aqui esta semana.
ResponderEliminarZé